"...vi na treva tudo desaparecer em silêncio, e ao sentir a iminência do fim, derramei lágrimas que lavaram todo meu orgulho e insensatez, toda minha inveja e minha ira, naquele exato momento voltei a ser criança...".
Descobri que sou capaz de amar
novamente.
Foi na madrugada enquanto
dormia desperto, tive a necessidade de abrir os olhos para contemplar a
escuridão do meu quarto.
Descobri que sou capaz de amar
novamente porque um dia, somente um dia, deixei de acreditar no amor. Porque,
tolo, achei que ele havia me feito sofrer, mas ao acordar naquela madrugada,
percebi que jamais se sofre por amor, e sim por falta dele e por causa de
ilusões, estas sim, são frágeis e nos tornam fracos, no entanto, estão fadadas
a desaparecer.
Naquele instante saltei da
cama e saí literalmente cego a andar pelos corredores até chegar ao quarto
contíguo e sem acender a luz, encontrei meu violão.
Descobri que sou capaz de amar
novamente quando eu retornei ao meu quarto e na mesma escuridão, entoei uma
música, estava de olhos cerrados. A canção falava de esperança, de um sol que
quase sempre nasce, de lutar mesmo quando tudo parece perdido. Outra canção
falava de sonhos perdidos, quimeras vazias, mas que para mim foram tão reais que
pareciam preencher um certo vazio que até então acompanhava meu coração. Não
sei se algum vizinho acordou irritado com a canção, só sei que apenas as vozes
minha e do meu violão imperavam na treva brilhante.
Descobri que sou capaz de amar
novamente, quando no meio da penumbra, embalado pela música, recordei todos os
meus entes queridos de ontem, hoje e até do amanhã. Foram tantos os rostos,
amigos, parentes, paixões e amores, e cada face que me fizeram viver tantas e
diversas sensações desde da ventura até o desespero, no entanto ao final, não
pude deixar de ver em cada um deles um sorriso e o perdão.
Descobri que sou capaz de amar
novamente quando vi na treva tudo desaparecer em silêncio, e ao sentir a
iminência do fim, derramei lágrimas que lavaram todo meu orgulho e insensatez,
toda minha inveja e minha ira, naquele exato momento voltei a ser criança.
Descobri que sou capaz de amar
novamente quando ao findar a música, escutei aplausos, assovios e vivas que
ecoaram no silêncio da noite. Quando mesmo na penumbra pude saber que lá estava
alguém que merece ser amada. Alguém que nem sonha o quanto eu lutarei para
vê-la feliz e sentir o seu repousante abraço mas fatalmente hei de conhecer.
Descobri que sou capaz de amar
novamente, porque mesmo já tendo trilhado o caminho errado, ainda tenho coragem
para amar e ser amado. Porque faço parte da raça humana que ainda tem força para sonhar e ver a incrível riqueza
deste invisível que tão poucos realmente vêem e vivem.
Descobri que sou capaz de amar
novamente, quando tive a certeza que ainda posso pular de olhos fechados, e,
sem medo... voar.