"Embora tivesse aberto o coração, tê-lo-ia escancarado até as portas baterem violentas na parede, com aquela ventania toda que vasculhava os poros. E continuaria absorvendo cada recusa como tragédia e cada consentimento como prêmio. Manteria as mãos dadas com o intenso. Era assim. Faria tudo de novo...."
Faria tudo de novo. Amaria intensamente, como se amanhã não houvesse. Choraria todas as dúvidas de sempre e perderia noites mal dormidas pela ansiedade incomodando debaixo do colchão. Mas olharia mais nos olhos – eles sempre falam mais alto do que qualquer enxurrada linguística.
Mesmo sabendo do fim, faria tudo de novo. Riria os momentos divertidos juntos, dedicaria os melhores pensamentos, torceria para dar certo, ainda que caminhasse para dar errado. Sempre mergulhava assim nas coisas; era a forma de enfrentar o medo de não ter oportunidades suficientes para viver tudo. Coragem demais é medo do avesso. Cautela demais é coragem contida.
Teria as mesmas brigas: são elas que frequentemente desnudam sentimentos encortinados, comentários não ditos, sinceridades refreadas pelo receio de magoar. Amor é tanto receio! De magoar, de desiludir, de decepcionar, de mostrar os defeitos, a natureza, o instinto. Sempre achava que, num relacionamento amoroso, os envolvidos despendiam mais energia tentando contornar os receios do que se dedicando mais objetivamente ao outro. Como tinha de ser. Mas nunca era.
Faria as mesmas viagens, as mesmas descobertas. Tiraria as mesmas fotos, as mesmas conclusões, talvez mais panorâmicas para evitar tanto equívoco. Daria os mesmos créditos exacerbados ao deslumbre. Mas abriria mão de todos os minutos que não havia reservado ao relacionamento. Poderia ser mais. Poderia ser ainda melhor. Mesmo sentindo a dor do fim, queria ter ido mais fundo. Teria valido a pena. (Fique tranquilo: nesses tempos modernos, ninguém mais morre de amor. Apenas sobrevive. E é isso que dói.)
Embora tivesse aberto o coração, tê-lo-ia escancarado até as portas baterem violentas na parede, com aquela ventania toda que vasculhava os poros. E continuaria absorvendo cada recusa como tragédia e cada consentimento como prêmio. Manteria as mãos dadas com o intenso. Era assim.
Faria tudo de novo.
Amaria intensamente, como se amanhã não houvesse. Porque o amanhã que conhecia era difícil demais de aceitar. Não daria o braço a torcer à conformação. Isso não combina com amor, desses de verdade. Não sufocaria os sentimentos assim, como quem apaga uma chama com a saliva.
Ainda tinha muito o que dizer.