Este sou eu...
O tempo certa vez me abordou... e me
foi vestindo de velhice, foi recolhendo a minha configuração e os traços do meu
rosto, não me permitiu esticar a meninice, nem estender a juventude.
Tocou-me, acintosamente como quem
rouba a ilusão, e eu... resiliente que sou... e teimoso, não me abati de
longitude,
nem morri de medo dessas lonjuras
que nascem dentro do peito,
nem me perdi nestes desertos de
alma,
nestas esquinas do destino... em
aflição.
E para não sofrer de esquecimento,
nem de descuido...
decidi doar-me.
O existir emprestou-me este corpo
que me carrega, me leva por ai.
E dele nada posso doar... somente
ceder para alguém... usar.
Posso conceder os braços, mas... não
os abraços que dei,
posso oferecer minhas pernas, mas...
não os caminhos que descobri,
posso até emprestar o meu coração,
mas... nunca o que amei,
posso ceder a minha pele, o meu
rosto, os meus lábios, mas...
nunca as bocas que beijei,
posso entregar as minhas mãos,
mas... não posso conduzir ninguém,
nem indicar o caminho, e sozinho,
terão que seguir... em solidão,
posso lhe presentear os meus olhos,
mas...
nunca a fina beleza das minhas
escolhas,
nem os entardeceres em contemplação.
Posso transferir cada órgão... e sem
vícios... como os recebi,
mas... como envelheci,
e estou com mais tempo de
esquadrinhar o meu horizonte,
a vastidão de mim...
e hoje, não posso aceitar nada que
me medeia... sou ou não sou.
Eu, não posso perder do alcance a
largueza da alma, da minha alma,
que vai viver outras vidas, e fazer
outras tantas viagens,
e esta, é apenas uma estação das
minhas tantas paragens.
Preciso arrancar este desafogo do
peito, para não sofrer de ausência,
e ir embora feliz... desapertar a
incomoda... sofreguidão,
e como não posso doar coisas... nem
partes de mim.
Vou doar... destemor,
e o que tenho na alma...
amor.