domingo, 28 de abril de 2013

O doador - Ari Mota



Este sou eu...
O tempo certa vez me abordou... e me foi vestindo de velhice, foi recolhendo a minha configuração e os traços do meu rosto, não me permitiu esticar a meninice, nem estender a juventude.
Tocou-me, acintosamente como quem rouba a ilusão, e eu... resiliente que sou... e teimoso, não me abati de longitude,
nem morri de medo dessas lonjuras que nascem dentro do peito,
nem me perdi nestes desertos de alma,
nestas esquinas do destino... em aflição.
E para não sofrer de esquecimento, nem de descuido...
decidi doar-me.
O existir emprestou-me este corpo que me carrega, me leva por ai.
E dele nada posso doar... somente ceder para alguém... usar.
Posso conceder os braços, mas... não os abraços que dei,
posso oferecer minhas pernas, mas... não os caminhos que descobri,
posso até emprestar o meu coração, mas... nunca o que amei,
posso ceder a minha pele, o meu rosto, os meus lábios, mas...
nunca as bocas que beijei,
posso entregar as minhas mãos, mas... não posso conduzir ninguém,
nem indicar o caminho, e sozinho, terão que seguir... em solidão,
posso lhe presentear os meus olhos, mas...
nunca a fina beleza das minhas escolhas,
nem os entardeceres em contemplação.
Posso transferir cada órgão... e sem vícios... como os recebi,
mas... como envelheci,
e estou com mais tempo de esquadrinhar o meu horizonte,
a vastidão de mim...
e hoje, não posso aceitar nada que me medeia... sou ou não sou.
Eu, não posso perder do alcance a largueza da alma, da minha alma,
que vai viver outras vidas, e fazer outras tantas viagens,
e esta, é apenas uma estação das minhas tantas paragens.
Preciso arrancar este desafogo do peito, para não sofrer de ausência,
e ir embora feliz... desapertar a incomoda... sofreguidão,
e como não posso doar coisas... nem partes de mim.
Vou doar... destemor,
e o que tenho na alma...
amor.

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