domingo, 2 de dezembro de 2012

Auto ajuda pra mim é cachaça, o resto é conversa fiada



Encontrei este texto no blog Simples Coisas daVida. O autor, Antonio Prata, é escritor. Publicou alguns livros de contos e crônicas, entre eles "Meio Intelectual, Meio de Esquerda", de onde foi retirada esta bem humorada crônica.
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Auto ajuda pra mim é cachaça, o resto é conversa fiada. Tá bom: ioga, psicanálise, ikebana e danças de salão podem nos ajudar a entrar em harmonia com nosso próprio eu, nos tornarmos seres humanos mais evoluídos e blábláblá, mas quando o pé amado toca a incauta bunda, neguinho não vai sentar-se em flor de lótus, escarafunchar seu processo edípico, podar a samambaia nem dançar um tango argentino: vai é manguaçar.
É só ali, já mais perto da última dose que da primeira, limados os graves e agudos – naquela quarta dimensão etílica: nem dentro nem fora de nós mesmos –, que podemos respirar aliviados, encher o peito e dizer que aquela ingrata não vale nada, que nós somos maiores que isso e que a vida, meu amigo, a vida é uma coisa assim, a vida é assim uma coisa… Enfim, uma coisa dessas que a gente diz sobre a vida quando está bêbado.
Se nas avalanches emocionais o nosso amigo álcool aparece como um são-bernardo salvador, em nossos projetos mais ousados ele surge como um cão-guia, um labrador a nos indicar os caminhos para além do labirinto de nossas inibições. Em outras palavras: sem o álcool eu seria virgem até hoje. Em plena adolescência ficar pelado diante de uma menina, sóbrio? Só um psicopata seria capaz de tamanha frieza.
O que mais lastimo é que os chopes só tenham vindo transformar asfalto em edredom quando eu já era quase um adulto. Como é que na infância, a fase mais hardcore da vida, só havia groselha, Fanta Uva e Toddynho em meu copo? Ah, se na quarta série eu conhecesse as benesses do álcool, Joana, tudo teria sido diferente!
Lembra quando te pedi em namoro numa cartinha? Você disse não. Mas é claro! Que passo desastrado, mandar uma carta a alguém que você nunca beijou na boca perguntando uma coisa dessas. Só um ser humano completamente sóbrio cometeria tamanha patacoada. Se ao invés do bilhete tivesse te convidado pra tomar um chope na cantina, te contasse aquela piada de português que meu tio Aristides havia me ensinado, te mostrado habilmente como fazer uma boca de loco incrementada, um aviãozinho que dava looping, quem sabe, Joana, eu e você, na quarta série, hein?
Bem, se eu tinha sobrevivido ao primeiro dia de aula da primeira série, a seco, não seria na quarta que a coisa iria degringolar. Lembro bem daquele dia. Eu havia passado dos dois aos seis anos numa outra escola. A vida toda, portanto. Não conhecia ninguém ali. Era praticamente um exilado político brasileiro chegando na Suécia. Imagina só se tivéssemos todos tomado um uisquinho antes? Chegaríamos confiantes, sorridentes, sem nem nos preocuparmos se seríamos aceitos ou se já na segunda aula ganharíamos para sempre o apelido de Dumbo, Gordo, Anão… E se durante o recreio – aquele climão de banho de sol em penitenciária –, em vez de comermos Cebolitos, ensimesmados em nossa timidez, tomássemos um vinho em canequinhas da Turma da Mônica, em torno da cantina? O entrosamento seria tão mais fácil. (A educação física ficaria comprometida, mas quem liga para polichinelos diante da concórdia universal?)
A dura jornada tinha na volta, na perua, seu gran finale. Depois de cinco horas estudando aquelas coisas chatas, uma hora e meia no trânsito, buzina, estresse. Se nossas mamães pusessem uma garrafa térmica na lancheira com caipirinha, essas longas jornadas noite adentro seriam inesquecíveis happy hours, road movies infantis. E nós todos ali dentro, pequenos Kerouacs e Dennis Hoppers mirins, cruzaríamos a cidade a cantar a plenos pulmões os últimos sucessos do Balão Mágico, Menudo e Trem da Alegria, alheios ao resto do mundo.
Se na escola já era difícil, imagina aos dois anos, quando você se deu conta, desesperado, que a mulher da sua vida tinha outro? Que aquela dissimulada te alimentou falsas esperanças enquanto se deitava com outro toda noite e, pior, esse outro era seu próprio pai! Ah, nesse momento o maternal deveria ser um pub enfumaçado cheio de pobres diabos dilacerados diante desse protocorno incurável – essa feriada cuja ilusão de cura nos atirará em todas as maiores roubadas de nossas vidas dali pra frente, do jardim dois até a cova. Aguardente na mamadeira era o mínimo que eu esperava diante dessa hecatombe emocional e, no entanto, só nos ofertaram Hipoglós, nana nenê e leite morno. Como são cruéis esses adultos.
Agora, se de todos os momentos trágicos da vida eu pudesse escolher um, somente um, para receber o afago etílico em minh’alma, seria obviamente o nascimento. Nós estávamos no quentinho, boiando, recebendo comida na barriga, numa eterna soneca de manhã chuvosa de domingo, quando veio aquele aperto, aquele barulho, aquela luz terrível e o frio, meu Deus, que frio. Nesse momento um ser humano sensato deveria ter me olhado nos olhos, percebido o profundo desamparo e, clemente, dado uma talagada duma aguardente qualquer e dito: bebe, criança, bebe que a vida é dura, bebe que a vida é longa e não tem mesmo o que fazer. Mas não, me viraram de ponta a cabeça, me deram um tapa na bunda e ficaram me vendo chorar, sorrindo. Depois de um começo assim a gente pensa o quê? Que vai resolver na análise? Na ioga? Fazendo arranjo de flores? Dançando chá-chá-chá? Não, meu irmão: autoajuda pra mim é cachaça, o resto é conversa fiada.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sirva-me várias doses, por favor...

Não sou anônima. Sou Keila...